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BASQUETE - Editorial

ADEUS ÀS ARMAS

19/05/2012 01:29 h

         

 
Eu gostaria de dizer de início que não tenho mais nenhuma pretensão a posto algum no basquete.
 
Desisti dele em 1975, no vestiário do ginásio da Bradley University, quando me olhei no espelho e vi que seria médico.
 
Só percebi isso em 2011, quando senti que a vida não me faria sentido sem que exercesse minha verdadeira profissão.
 
Nesses 36 anos, lutei insanamente para me convencer que tinha algo a mostrar no basquete. Todas as minhas lutas só serviram para me iludir que ele seria a minha missão e que transmitir tudo o que aprendi nada mais era do que a razão da minha vida.
 
Não que eu não goste do basquete. Muito pelo contrário, se o Oscar declara que ninguém treinou mais que ele, eu digo que ninguém ama o basquete (principalmente o brasileiro) mais do que eu, só que tudo tem um fim.
 
Pelo basquete eu perdi e ganhei minha vida várias vezes. Tripudiei e fui tripudiado em incontáveis ocasiões e o persegui e fui por ele perseguido outras tantas vezes numa relação de um certo modo patológica, mas com certeza de muito amor.
 
Não reclamo do modo como fui tratado pelos do basquete principalmente nos últimos anos, afinal de contas, tenho que entender que minha maneira de ver o jogo não é a ideal para o basquete brasileiro.
 
Nunca foi.
 
Só que, tudo o que alcancei e vivi no basquete, me deu o direito de também tratá-lo como sempre fiz: verdade acima de tudo, amor incondicional e luta pelo que acreditava ser o que sempre chamei de “o bom basquete”.
Aquele jogado dentro da quadra, treinado à exaustão e aperfeiçoado em horas sem fim de treinamento individualizado (eu sozinho dentro do ginásio).
 
Não culpo pessoas pelo tratamento quase sempre desrespeitoso que recebi por ter acreditado e lutado pelo “meu basquete”, já que essas pessoas não entendiam a minha profissão de amor e fé e a combatiam de todas as maneiras.
 
O que tenho a lhes dizer é que finalmente entendi que minha luta pelo basquete não passava de um ardil para me convencer que o basquete era a minha vida (e quanto vivi por ele!), enquanto meu inconsciente já me levava para o lugar que estou hoje na medicina.
 
Talvez estivesse muito melhor agora se tivesse seguido meu destino a partir daquele dia de 75 no vestiário da Bradley.
 
Sim, eu fui uma mentira no basquete e declarar isso me liberta para meus verdadeiros ideais.
 
Entretanto, o estudo e o conhecimento adquirido nessa vivência, minha experiência em tentar me enganar lendo livros, assistindo a jogos, estudando os grandes jogadores, os grandes times e os grandes treinadores me permitem e me autorizam a discorrer nesse “in vino veritas” todos os meandros técnicos que a nossa seleção poderá desfrutar (ou não) com os jogadores que foram convocados.
 
É claro que tenho a consciência de que os “cardeais” da nossa seleção e o seu treinador jamais irão tomar consideração por esse texto (nem espero isso), mas fica aqui uma análise do potencial que temos, o qual seguramente não será aproveitado ao máximo, pois para que isso acontecesse seria necessário um abandono de todos os paradigmas que até hoje sustentaram o nosso esporte.
 
Também pouco espero dos “formadores de opinião”, que seguramente não entenderão bulhufas de onde quero chegar para conseguir levar nossa seleção ao lugar que esse atual time sempre mereceu estar.
 
Digo, a princípio, que concordo plenamente com a convocação de nossa seleção. Conseguimos trazer todos os nossos dez melhores jogadores e ainda montarmos uma base de futuros talentos que podem crescer muito com o decorrer dos anos.
 
Entretanto antevejo uma luta fratricida por posições e tempo de jogo, que pode levar a nossa seleção a uma forte cisão de potencial com a fragmentação de partes que nunca formarão um todo, o qual represente a verdadeira força dessa equipe.
 
Os conceitos mais praticados no nosso basquete são os que enaltecem o melhor, que jogue o melhor e que os que não forem os melhores deverão aceitar a situação e ajudar a “formar o time”.
 
Nosso conceito de união sempre escondeu o fato que “os melhores jogam” e os outros aceitam apenas a participação.
 
Muito bom para o nosso jogo nacional, mas muito ruim para a atual seleção.
 
Como escolher os melhores dentre esse fabuloso time que formamos?
 
Quem será o quinteto inicial? Quem jogará mais minutos na posição? Quem decidirá o jogo na última bola?
Temos pelo menos 10 jogadores atualmente para isso e os outros dois que podem surpreender a qualquer momento.
 
Como Magnano decidirá quem joga mais e quem senta? Nos treinos?
 
Mas se temos tantos talentos que se equivalem nas diversas posições, com vantagens ora para um aspecto, ora para uma situação, como iremos decidir?
 
Matando-nos uns aos outros nos treinamentos?
 
Então jogadores como Marcelinho e Guilherme, que interpretam o jogo como poucos, terão que matar um leão todos os dias, para terem seus espaços na seleção?
 
Será que Alex e Marquinhos, que trazem atleticismo e vigor físico nas mesmas posições terão que provar isso todos os treinos?
 
Então Huertas vai ter que disputar posição com Larry Taylor todos os dias, duas vezes ao dia?
E o que dizer de Leandrinho? Armador, ala ou ala-armador? Terá ele que brigar todos os dias para se encaixar com sucesso em alguma posição que lhe renda minutos?
 
E quanto aos pivôs? Como será a briga? Quem vai jogar? Temos Nenê, Varejão e Splitter na NBA, mais Guilherme que leva seu marcador prá fora do garrafão e abre espaço para Alex, Huertas, Leandrinho, infiltrarem sem ajuda da defesa. Quais serão os escolhidos?
 
Na verdade, corremos o risco de duas situações extremamente prejudiciais ao resultado final:
 
A primeira é uma luta sem fim, em todos os treinos e a toda hora (dentro e fora da quadra) por posição dominante, que vai levar a contusões e à discórdia entre os jogadores, por mais que eles estejam imbuídos dos ideais propostos.
 
A segunda, para mim a pior, é que alguns jogadores importantes “tirem o pé” e desistam dessa insana competição, evitando “brigar” pela posição dominante e se acomodarem com a situação.
 
As duas opções não levarão ao objetivo proposto, que é fazer com que a melhor seleção formada nos últimos 20 anos alcance o nível de jogo que é esperado para ela.
 
Quero lhes dizer que já vivi tudo isso em seleções que participei. Vi grandes jogadores “se pegando” nos treinos até se machucar um deles, como também vi jogadores desistirem e evitarem o confronto.
O prejuízo foi sempre o mesmo.
 
Sei também que isso é completamente estranho aos olhos de quem nunca jogou nesse nível e acha que, em se tratando de seleção, todos têm que dar o máximo sempre e que a disputa de posição se dá, nesse nível, nos treinamentos.
 
Quero lembrá-los que para atingir o máximo é preciso preparo e que o máximo só se atinge quando é preciso.
 
Sugiro, portanto, que se passe aos jogadores uma ideia de colaboração e divisão de tarefas traduzidas na formação de dois quintetos.
 
O primeiro deles, mais atlético, útil para início de jogo e terceiro quarto, onde a força física prevalece seria formado por Nenê, Varejão, Leandrinho, Larry Taylor e Marquinhos.
 
Tal quinteto teria a função de levar o jogo ao máximo de intensidade física, brigando por todas as posições, defendendo pressionando o homem da bola e aumentando a velocidade da transição para o ataque.
 
Como opção desse time teríamos um dos dois jogadores que não participariam do quinteto responsável pelo segundo e metade do último quarto.
 
Tal quinteto, mais cerebral, seria formado por Splitter, Giovannoni, Huertas, Alex e Marcelinho, um quinteto mais baixo, que entenderia o jogo de outra maneira, mais cadenciada, e utilizaria seletivamente a defesa por zona para permitir o contra-ataque com Alex e o arremesso da distância de Marcelinho.
 
Também nesse caso, a opção seria o outro jogador que não participou do quinteto anterior, de preferência uma pivô, para que Giovannoni tivesse a opção de jogar no perímetro.
 
Como o tempo de jogo seria dividido, todos os jogadores poderiam dar mais intensidade no seu tempo de quadra, enquanto que também seriam responsáveis por mais cadência e ritmo.
 
Participariam dos últimos cinco minutos de jogo os jogadores que fossem necessários para o sucesso daquela ocasião.
 
Sei que isso pediria uma completa ruptura do atual sistema de jogo vigente e que os participantes teriam que abrir mão de sua vaidade nutrida em seus clubes.
 
O treinador (longe de mim desejar ensinar algo a ele) teria que ter a convicção de que isso levaria a uma maior divisão de tempo de jogo (importante numa competição como a de Londres) e a uma maior intensidade de forças durante toda a competição.
 
Não sei se teremos pessoas preparadas para isso, mas a possibilidade de sucesso com um modo de jogar como esse aumenta muito as nossas chances de medalha e/ou vitória numa competição como as Olimpádas..
 
Acho que vai ser difícil, mas se quisermos fazer história e não participar dela, essa é a nossa única solução.

Marcel de Souza
marcel@databasket.com
Administração

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